Construção modular off-site – Por quê?
Por que construir fora do local final de uso? Porque a vida é agora e não temos tempo a perder! Veremos ao longo desse ensaio que o tempo é o principal apelo da construção modular offsite no mundo.
Pesquisas demonstram que a principal expectativa de uma construção off-site é a redução do tempo para conclusão do empreendimento. Segundo o Modular Building Institute, construção modular pode reduzir de 30 a 50% o cronograma quando comparado com técnicas convencionais aplicadas nos Estados Unidos. Em caráter especulativo, sob o ponto de vista deste autor, esses percentuais tendem a ser ainda maiores no Brasil.
Mas, antes de entrarmos nos benefícios, vamos entender do que estamos falando. A construção modular off-site é um tipo de edificação fabricada fora do seu local final de uso e transportada até lá, quando se alcança a fase de montagem.
Dessa forma, as etapas de planejamento, aquisição de insumos, fabricação dos módulos, realização das instalações elétricas e hidráulicas, acabamentos, entre outros serviços, são todos realizados dentro de uma fábrica distante da área de instalação. No local definitivo realiza-se somente a preparação do terreno, fundações, montagem dos módulos e alguns serviços complementares no entorno.
Evidentemente, algumas empresas podem adotar soluções híbridas, onde parte dos serviços permanecem no canteiro de obras. Entretanto, por definição, na construção modular off-site, toda a edificação é fabricada fora do canteiro.
Minha resistência à construção modular
Meu interesse pelo tema surgiu desde que o colega e amigo de faculdade Ricardo Mateus deu os primeiros passos antes da fundação da Brasil ao Cubo, uma das maiores empresas do setor no Brasil. Quando visitava o espaço onde eram fabricados os módulos sempre tinha duas sensações antagônicas “sensacional” e “em que momento isso vai dar errado?”.
Como engenheiro civil, esse é provavelmente o primeiro sentimento da maioria dos profissionais e também de leigos no assunto. A cultura do setor da construção civil nos leva a pensar assim, é natural! Apesar disso, nunca me fechei para a ideia, lembro que em conversas despretensiosas até batizei o nome do sistema de “plug and play”, em alusão ao termo cunhado pela informática no início do século XXI.
Fico feliz que o Ricardo seguiu seu instinto empreendedor e inconformismo com as diversas dificuldades das obras moldadas in loco e esteja nesse caminho até hoje, usando ainda a expressão sugerida… “plug and play”!
O setor da construção
O caminho dele não foi e não está sendo fácil! Nós engenheiros, arquitetos e profissionais do setor da construção atuamos numa das indústrias mais ineficientes do mundo que cresceu uma média de 1% a.a. nos últimos 20 anos, três a quatro vezes menos que outros setores.
Essa indústria é marcada por um caráter artesanal, baixo nível de inovação e pouca previsibilidade de cronograma e orçamento. O mundo inteiro fábrica carros, máquinas, linha branca, equipamentos e eletrônicos, sob telhados de fábricas com processos bem definidos, controlados e com alto nível de automatização. Enquanto isso, nossas edificações continuam sendo erguidas in loco assim como os egípcios faziam cinco milênios antes.
Alguns podem argumentar que nossos faraós atuais (contratantes e clientes finais) são resistentes às mudanças, mas quais propostas inovadoras de “pirâmides contemporâneas” estão sendo apresentadas a eles?
Inovação e benefícios da construção modular
A construção modular permanente pode ser um importante caminho para essa inovação. Apesar disso, a técnica não é exatamente ultra recente como um smartphone. A primeira geração de projetos off-site iniciou logo após a segunda guerra mundial, com resultados pouco satisfatórios.
O desempenho desses projetos, voltados ao segmento habitacional, ficou aquém do desejado. A performance era ruim. Os principais problemas estavam conectados a falta de tecnologia, materiais e coordenação entre profissionais.
Atualmente, a tecnologia e materiais disponíveis são muito diferentes. Possuímos ferramentas computacionais avançadas, informação disponível infinitamente superior, nanotecnologia e novos materiais de alto desempenho.
Com esse novo pacote de soluções, a construção modular está ganhando força nos últimos anos. Isso se prova verdade quando observamos o National Institute of Standards and Technology (NIST) apontar a Construção Modular Permanente como uma das cinco frentes possíveis para o desenvolvimento da indústria da construção.
Os ganhos potenciais com o desenvolvimento desse método construtivo são inúmeros. Como mais palpáveis e já experimentados pelo setor, destacam-se:
- Redução expressiva do prazo
- Segurança e saúde dos trabalhadores
- Incremento de qualidade e desempenho da edificação
- Aumento de eficiência e redução de desperdícios
Previsibilidade e Tecnologia
Provavelmente a redução do tempo de conclusão e a previsibilidade de cumprimento do cronograma são os principais elementos que podem alavancar esse método construtivo. Mais do que satisfazer as expectativas do cliente, tempo se traduz em dinheiro, especialmente no segmento comercial.
A entrega de uma edificação em menor tempo abre a possibilidade para o início da operação de um negócio antes do previsto por meio da construção tradicional, ou seja, a empresa pode se posicionar mais rápido numa nova atividade e começar a gerar receita em menos tempo, diminuindo o tempo de payback, por exemplo.
Além destes benefícios, vislumbra-se que esse tipo de solução ainda possa evoluir muito com o aproveitamento de outras tecnologias disponíveis ou em desenvolvimento como realidade virtual, equipamentos de comando numérico computadorizado (CNC), Internet of Things (IoT), robótica e impressão 3D.
Os processos também poderão ser otimizados com a utilização da tecnologia Building Information Modeling (BIM), uma vez que o processo de planejamento é ainda mais importante que na construção tradicional. Considerando que tudo é feito para literalmente ser “encaixado”, as fases de planejamento e projeto tornam-se vitais para o sucesso dos empreendimentos.
No campo socioambiental a construção modular também se destaca com resultados mais sustentáveis. De forma geral, nossos sistemas tradicionais são muito artesanais e costumam desperdiçar muitos insumos. Estudos demonstram alto potencial de redução de desperdícios, uso de recursos e emissões de gases do efeito estufa, por meio da construção modular.
Os ganhos também se estendem ao campo da segurança do trabalho, uma vez que é possível a criação de um ambiente de trabalho mais controlado.
Barreiras e dificuldades
Choque cultural! Assim como narrei na introdução deste texto, esse é o primeiro e talvez mais importante ponto. A construção civil se acostumou com evoluções e inovações lentas, guardadas algumas exceções, especialmente quando se desafia o atingimento de novos patamares. Nas edificações “médias”, poucos avanços enxergamos no desenvolvimento, quando comparado com outras industrias.
Do mesmo modo, acostumou-se com a cultura de alterações de projeto durante a fase da construção. Isso é tão corriqueiro que o ato de não as tolerar que é a fuga do comum. Nesse aspecto, por enquanto, a construção modular deverá conviver com a falta de flexibilidade para alterações de projeto, um importante desafio para o setor, mas não o único.
Além disso, destacamos a falta de experiência das empresas executoras e profissionais relacionados, visto que ainda é um mercado em expansão e obviamente toda curva de aprendizado é acompanhada de falhas que podem contribuir para uma percepção negativa do método. Igualmente destaca-se a má utilização de algumas técnicas que parecem similares (nem sempre são) como, por exemplo, a adaptação de containers sem os devidos tratamentos para alcance de performance aceitável.
O custo também é um tema de destaque nessa discussão. A implantação de empresas especializadas exige um capital inicial muito superior ao das construtoras tradicionais. Ademais, os custos das obras também são mais concentrados no início, visto que o processo de compras é mais intenso na fase inicial, assim como o processo integral é mais curto, exigindo maior disponibilidade de capital de giro para adequação do fluxo de caixa da empresa.
As barreiras são ainda mais altas quando avançamos nos temas de políticas públicas e regulamentos. Desde aspectos relacionados ao setor de transportes até exigências relacionadas ao urbanismo, nada disso foi pensado para a construção modular off-site no Brasil e em diversas regiões do mundo.
O poder público, salvo algumas situações excepcionais, ainda não está preparado para construções de alta velocidade distantes dos locais de montagem. Essa dificuldade, algumas vezes, acaba ceifando o principal driver da construção modular: o tempo!
Para concluir, não deixaremos de citar a necessidade de maior pré-planejamento, visto que existe maior dependência entre as fases do processo, os desafios logísticos e a sua correlação com as limitações de forma e tamanho impostas pelo transporte.
Design x Padronização
Ainda que as dificuldades de design possam, e estão, sendo superadas com criatividade e inovação na construção modular, a indústria da construção possui uma cultura de design imprevisível. É como falar que a lógica de um carro de quatro rodas deixa de ser atual 10 a 20 anos após seu lançamento. Desde o Egito antigo, construções não são sinônimos somente de funcionalidade, mas também de arte.
Na contramão desta cultura, a técnica de construção modular possui um viés de padronização evidente. Ainda que a criatividade humana seja ilimitada, esse tipo de construção busca assemelhar-se muito mais com a linha de produção de uma fábrica do que o ateliê de um escultor. Uma das grandes vantagens seria a padronização, mas o mercado está preparado? Talvez a resposta seja sim, ao menos para uma fatia relevante do mercado.
Isso não quer dizer que essa forma moderna de fabricar edificações seja aplicável somente para o público de baixa e média renda. Pelo contrário, apesar das limitações logísticas, a utilização de materiais mais leves e versáteis como o aço também permite novas formas e soluções arquitetônicas que não são comuns na maioria dos bairros das cidades brasileiras.
Visão do mercado atual e futuro
Em 2017, foi realizado um simpósio específico sobre o tema construção modular na Florida. Esse evento (State-of-the-Art of Modular Construction) contou com a participação de diversos profissionais de diversas etapas da cadeia produtiva do setor. Dentre os resultados desse evento, destacamos os principais fatos:
- O segmento com maior conexão com a construção modular atualmente é o da habitação unifamiliar e multifamiliar;
- Os segmentos com maior potencial de crescimento futuro no âmbito da construção modular são: educacional, habitação Multifamiliar e setor da saúde
- A construção offsite aumentará significativamente no futuro, com possibilidade de aproveitamento de equipamentos de alta precisão
- Necessidade de políticas governamentais e regulamentos adequados para alavancar o setor
- Possíveis barreiras: necessidade de congelamento do projeto logo no início, limitações de design impostas pela logística, falta de experiência entre os profissionais da construção, falta de pesquisa, resistência do mercado, necessidade de capital inicial elevado, custo de construção mais concentrado no início, interface complexa entre sistemas, necessidade de alto nível de planejamento.
- Benefícios mais relevantes: redução de tempo, possibilidade de redução de custo, operação mais eficiente, potencial de aprimoramento da qualidade, maior retorno do investimento, aumento de margem de lucro, previsibilidade de tempo e custo, melhorias com gerenciamento, redução de riscos de segurança,
Palavras finais
Atualmente a participação dessa técnica dentro do mercado de construção ainda é pequeno. Em 2017, nos Estados Unidos, o setor possuía uma fatia de apenas 3,5%. Naturalmente, o aumento dessa participação irá gerar um efeito em cadeia positivo, com avanços tecnológicos, criação de padrões técnicos e redução de custos.
A construção modular offsite poderá significar uma revolução na maneira de construir no Brasil e no mundo. A possibilidade de passarmos a fabricar e não mais construir edificações é a mudança de um importante paradigma que perdura no setor há séculos.
Este poderá ser o caminho para construirmos com menos recursos, maior eficiência e desempenho e colaborar com a redução de assentamentos irregulares e do déficit habitacional.
Faz 5 mil anos que as pirâmides estão de pé(?)… Nós, tão importantes e sem tempo a perder, deixaremos algo consistente para os séculos e milênios vindouros? Seria ótimo se as construções off-site e demais tecnologias fossem utilizadas para transformar o nosso meio em algo mais harmônico e sustentável. Torço para que seja assim. Bom saber que essa possibilidade é a cada dia mais factível! Obrigada.