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Inflação Inercial: Como o Passado Contamina o Futuro dos Preços

A inflação costuma ser associada a choques imediatos, por exemplo, alta do petróleo, desvalorização cambial, expansão fiscal ou crises externas. Mas existe um tipo de inflação mais sutil, que não depende diretamente de novos choques, e sim da memória dos agentes econômicos: a chamada inflação inercial. Ela é a persistência da inflação no tempo, quando o passado se torna referência obrigatória para o futuro.

inflação inercial

No Brasil, esse fenômeno ganhou protagonismo nas décadas de 80 e início dos anos 90, quando os preços subiam em espiral, não apenas porque a moeda se desvalorizava, mas porque contratos, salários e tarifas já estavam indexados à inflação passada. Era um ciclo difícil de quebrar: como tudo era reajustado automaticamente, a inflação seguia viva mesmo quando o motivo inicial já havia desaparecido.

A lógica é simples: se um empresário sabe que os custos vão subir porque todos os insumos e salários foram corrigidos pelo índice anterior, ele já antecipa esse movimento no preço final. O trabalhador, por sua vez, exige o mesmo reajuste no salário. O resultado é um processo que se realimenta. É a herança inflacionária contaminando o futuro.

Esse mecanismo cria enormes dificuldades para a política monetária. Subir juros pode até reduzir o consumo e a demanda, mas, se a economia está amarrada em contratos indexados, o efeito é limitado. A confiança no Banco Central, a credibilidade da moeda e a quebra desses mecanismos automáticos tornam-se mais importantes do que a própria taxa Selic.

Foi justamente essa percepção que guiou o Plano Real, em 1994. Ao introduzir uma nova moeda, eliminar indexações generalizadas e ancorar expectativas, o plano conseguiu quebrar a espiral inercial. Não se tratava apenas de atacar a inflação presente, mas de impedir que o passado continuasse definindo o futuro.

Hoje, a inflação inercial não é tão forte quanto naquela época, mas continua existindo de forma discreta: em contratos de aluguel corrigidos pelo IPCA, em negociações salariais baseadas na inflação passada, em tarifas públicas que usam índices de reajuste automáticos. Esses mecanismos mantêm uma espécie de piso inflacionário, mesmo quando os choques externos desaparecem.

A grande lição é que combater a inflação não é apenas uma questão de controlar choques ou ajustar juros. É preciso também lidar com a forma como a sociedade internaliza o passado em seus contratos e expectativas. Enquanto esse elo não for quebrado, o futuro seguirá sendo uma sombra do ontem.

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