Não acredito em Bitcoin nem no Papai Noel!
Em setembro de 2022, com o Bitcoin valendo cerca de US$ 19.000 talvez seja mais fácil falar que criptomoedas centralizadas podem ser um mau negócio, ainda que muitos continuem apostando nelas. Entretanto, quem me conhece sabe que não “acredito” em Bitcoin há muitos anos, na verdade, essa descrença vem desde que entendi o que era esse negócio de criptomoeda descentralizada. Conversaremos ao longo do texto que está organizado assim:
- 1 A Origem do Dinheiro
- 2 O que é o dinheiro?
- 3 Como funciona o dinheiro?
- 4 E como funciona o dinheiro hoje?
- 5 O poder dos governos
- 6 Porquê não acredito em bitcoin
- 7 E as criptomoedas descentralizadas vão sobreviver?
- 8 E os governos podem usar as criptomoedas como moeda oficial?
- 9 E o Papai Noel?
1 A Origem do Dinheiro
Bom, pra começar essa conversa, precisamos voltar na história para entender a origem do dinheiro.
Antes do dinheiro existir, os seres humanos tinham duas opções para um adequado convívio em sociedade:
- Colaborar entre si em pequenos núcleos por meio de troca de favores;
- Realizar trocas efetivas.
E quais eram os grandes problemas nisso?
- O alcance das trocas;
- A divisão dos produtos em quantidades menores;
- A reserva de valor.
1.1 Problema a ser solucionado pelo Dinheiro
Explico! Quando não existia dinheiro, os seres humanos podiam acessar outros produtos e serviços por meio de cooperação ou por trocas, mas isso carecia de efetividade e longo alcance.
1.1.1 A cooperação
A cooperação em pequenos grupos é algo que está no DNA do ser humano. Somos capazes de colaborar em pequenas comunidades. Ou seja, uma família de agricultores podia fornecer alimentos para uma pequena comunidade por meio de cooperação. Por exemplo, estes agricultores eram abastecidos com as ferramentas produzidas pela família dos ferreiros.
Quem sabe o agricultor também recebia um sapato novo a cada 3 anos da família de sapateiros da comunidade. E não menos importante, todas essas famílias podiam ter direito às visitas do médico/curandeiro da comunidade quando ficassem doentes.
Apesar disso, esse conceito de cooperação não podia ir muito longe. Isso é perfeitamente possível dentro de uma comunidade de cinquenta ou cem pessoas. Quem sabe, quando bem organizado, até 500 ou 1000 pessoas, mas dificilmente numa cidade com 20 mil pessoas e jamais em outra de 200 mil habitantes.
Ainda mais difícil seria imaginar esse sistema em um lugar aos moldes da atual Grande São Paulo, com 20 milhões de pessoas. Você seria capaz de imaginar essa região metropolitana funcionando como uma grande aldeia cooperativa nos termos do exemplo do parágrafo anterior?
1.1.2. As trocas
As trocas podem ser um pouco mais eficazes e terem maior alcance que o sistema de cooperação, mas ainda carrega consigo grandes problemas.
Por exemplo, vamos imaginar um exemplo com 3 pessoas: José, Pedro e João.
se José tiver uma laranja e quiser trocá-la por uma maçã com Pedro, isso nem sempre vai dar certo. Por que? Porque Pedro pode estar interessado mesmo é no abacaxi que João possui, mesmo que João estivesse querendo a laranja que Pedro deixou de trocar com José.
Ainda que Pedro se desse conta disso, já seria tarde demais, porque talvez José já estivesse longe, ou simplesmente tivesse comido sua laranja antes de estragar (reserva de valor).
Perceba, se existisse dinheiro, José poderia ter comprado a maçã de Pedro, o qual, com esse dinheiro compraria o abacaxi de João, que por sua vez compraria a laranja de José, ou de qualquer outro vendedor de laranjas.
Além disso, imagine um ferreiro que deseja comprar uma laranja. O vendedor até poderia desejar uma faca, mas o seu valor não seria uma, mas 50 (ou muito mais) laranjas. O que o ferreiro faria com as outras 49 laranjas? Como definir a “taxa de câmbio” entre faca e laranja? E entre um prato e um sapato? Este é o problema da divisibilidade dos produtos em quantidades menores.
Bom, nesse ponto podemos entender que a existência de uma unidade monetária representada pelo dinheiro pode resolver todos esses problemas e ir muito mais longe na cooperação dentro e entre as sociedades.
1.2 Precisa ser uma moeda metálica ou papel moeda?
Não! Absolutamente não. O dinheiro não precisa ser da forma tradicional como conhecemos. José poderia pagar Pedro com uma moeda metálica, com papel moeda, com uma pedra, com um punhado de terra, com sal, ou qualquer outra coisa!
Calma! Qualquer outra coisa, desde que todos indivíduos envolvidos naquele círculo econômico acreditassem que essa “coisa” pudesse servir como meio de pagamento para qualquer produto ou serviço. Ou seja, estamos falando de confiança… FIDÚCIA!
Por exemplo, nas penitenciárias o cigarro é na maioria das vezes a moeda universal. Até os não fumantes aceitam cigarros como moeda de troca. Isso porque, eles confiam que com esse cigarro poderão obter outros produtos e serviços, por exemplo, proteção.
1.2.1 Bastaria a fidúcia?
Provavelmente também não. Imagine uma sociedade que aceita um punhado de terra como forma de pagamento. Dada a natureza do ser humano de resolver seus problemas da forma mais simples, é de se imaginar que rapidamente os indivíduos perceberiam que faria mais sentido escavar o chão sobre o qual pisam do que empreenderem esforços para produzir produtos, afinal, dessa forma mais simples poderiam comprar tudo aquilo que precisassem, ou mesmo que nem precisassem! Obviamente essa situação chegaria rapidamente ao colapso.
Então além da fidúcia, surge a ideia que esses meios de pagamento também devem ser escassos, de forma que a sua extração ou produção não seja muito mais (ou muito menos) vantajosa do que a sua obtenção por meio de trocas
1.3 Voltando à origem do dinheiro
Bom, o dinheiro foi criado muitas vezes e em diversos lugares. Nem sempre era uma moeda metálica. Já foi concha, sal, couro, grãos, papel… e até virtual! Sim a maior parte do nosso dinheiro atualmente não está materializado em um pedaço de papel ou uma moeda metálica (tangível). Na verdade, esse dinheiro somente existe na forma de “números” no balanço dos bancos. Algo totalmente virtual!
2 O que é o dinheiro?
Se o dinheiro pode ser tanta coisa, o que então é o dinheiro? De forma muito resumida o dinheiro é um meio de troca universal (seja em todo planeta, seja numa pequena comunidade).
Esse meio de troca possui uma característica importante: ele permite que os indivíduos conservem a sua riqueza sem perecimento. Afinal, se você armazenar laranjas, um dia elas estragam e perdem o seu valor.
Além de poder ser armazenado facilmente, o dinheiro também precisa ser transportado facilmente. Ele precisa mudar de mãos e lugares da forma mais ágil, simples e barata possível. Já imaginou receber um terreno urbano em Kuala Lumpur como pagamento pela venda de um caminhão no Brasil? Ou ter que enviar uma remessa de 500 toneladas de grãos como pagamento de uma máquina nova. Essa não será a forma mais ágil e menos custosa de se fazer isso.
Então, numa primeira análise e deixando um pouco de lado a dinâmica política da nossa sociedade, podemos dizer que o dinheiro possui as seguintes características:
- Armazenável (permite acumular seu valor sem perecimento);
- Transportável (pode chegar facilmente a qualquer lugar sem grande custo ou esforço);
- Reserva de valor (manutenção do poder de compra);
- Conversível (serve para trocas).
Bom, até aqui me parece que o Bitcoin cumpre muito bem (talvez melhor que as formas tradicionais de dinheiro) as duas primeiras. Apesar disso, as criptomoedas centralizadas são bastante limitadas para cumprir a terceira (reserva de valor) e ainda escorregam na quarta (conversibilidade).
2.1 Reserva de Valor
Alguns pedidos antes de ler este tópico:
- Vamos esquecer o mercado especulativo!
- Vamos esquecer seu conhecido que comprou bitcoin em 2015!
- Vamos esquecer a minoria que permanece “lucrando” mesmo após as recentes quedas do bitcoin.
Vamos pensar somente no cidadão médio, na grande maioria que está dentro da distribuição normal, ou seja, pensaremos apenas em nós, nossos amigos, nossos familiares, no padeiro da esquina, no trabalhador do supermercado, no engenheiro, no advogado, enfim, na infinita maioria das pessoas que compõem a nossa economia real, a economia do dia a dia.
Dentro desse grupo de pessoas (que é a maioria da nossa população) seria desejável que o poder de compra de uma moeda ficasse variando constantemente, seja para cima ou para baixo?
Talvez para os mais novos, como eu mesmo, seja importante contar que num passado não muito distante em nosso país, os supermercados remarcavam os preços duas vezes ao dia. Que a inflação mensal chegou a ser de 80%. Que as pessoas recebiam seus ordenados mensais e imediatamente corriam para o comércio para gastá-lo antes que perdesse valor.
Bom, eu sei que estou falando nesse último parágrafo de inflação e no anterior em desvalorização da moeda (cambial). Mas para a grande maioria das pessoas, isso faz alguma diferença? Absolutamente não! Para a maioria das pessoas importa apenas o fato de não poderem mais no mês atual comprar todas as coisas que necessitam com a mesma quantidade de dinheiro em que era possível no mês anterior.
Vejamos o exemplo da Venezuela. Com 200% de inflação diária (isso mesmo, DIÁRIA!), a economia de um país pode funcionar? Quando falamos em uma perda do poder de compra tão estratosférica, estamos ao mesmo tempo falando de confiança (fidúcia).
Ou seja, quero dizer, que quando uma moeda não é capaz de ter o seu poder de compra razoavelmente preservado e estabilizado, ela pode cair em descrédito e toda a mágica do dinheiro, que é baseada na fidúcia, pode colapsar o sistema.
E então pergunto, quanto valia o Bitcoin 1 mês atrás? E 6 meses… E 12… E 24, 36, 48? Uma verdadeira montanha russa…
2.2 Conversibilidade do dinheiro
Você vai numa pizzaria e eles aceitam o bitcoin como pagamento? Provavelmente não! Ainda que existam moedas que convertam o bitcoin para dólar, e cartões de pagamento integrados nesse sistema, a verdade é que a maioria das pizzarias do mundo (e também as melhores delas em Napoli) não aceitam bitcoin como pagamento.
Aliás, essa história de converter bitcoins para uma moeda que valerá sempre “1:1 dólar”, para garantir a estabilidade, já deu errado em 2022 e vai dar errado outras vezes, mas esse papo ficará para outro artigo.
Voltando à conversibilidade da moeda, é com base nesse item que quando o Elon Musk “tuíta” que é simpático aos bitcoins ou que aceitara-los como pagamento dos seus carros e coisas desse gênero, as bitcoins sobem! Sobem, porque passa a cumprir “um pouco mais” a característica de conversibilidade.
Por que? Ora! Porque os consumidores passam a acreditar que aquele “monte de bits” (afinal, o bitcoin nada mais é do que isso) servirá para comprar um bem de consumo que eles necessitam ou desejam: um carro da Tesla.
Agora rapidamente me responda: o que você pode comprar com dólares? Absolutamente tudo! E mesmo que ele seja “banido” de outros países, você ainda poderá comprar bens e serviços da maior economia mundial. Essa característica está totalmente conectada ao quesito de como funciona o dinheiro.
3 Como funciona o dinheiro?
O funcionamento do dinheiro depende do imaginário das pessoas. Se elas acreditam que uma quantidade de pedras, um maço de cigarro ou um pedaço de papel estampado com um número e a assinatura do Presidente do Banco Central equivale ao valor de um produto, a mágica está feita!
3.1. Por que acreditamos tanto num pedaço de papel?
E aqui falo não somente sobre um pedaço de papel, mas qualquer outra coisa que represente o dinheiro! Simples, porque meu vizinho acredita, porque as pessoas do meu bairro acreditam, porque o barbeiro da esquina acredita. Ou seja, pode-se dizer que é uma questão cultural.
Se todos nós acreditarmos nisso, a cadeia está formada e podemos realizar as nossas trocas que são importantíssimas para sairmos das restrições do sistema de cooperação entre pequenas comunidades discutidas no início desse texto.
E então começam a surgir as perguntas que me fazem ser cético às criptomoedas descentralizadas:
- Todos, ou a maioria, acreditam que o bitcoin carrega valor?
- O padeiro da esquina acredita neles?
- O governo do seu país acredita, ou melhor, ele acha que é uma boa ideia substituir sua moeda controlada por bitcoins?
A verdade é que apenas acreditamos no dinheiro de papel e suas representações porque existe uma complexa rede de confiança envolvida. E a confiança no dinheiro está intrinsicamente ligada aos sistemas políticos e sociais.
3.2. No começo da história do dinheiro, todos acreditavam?
Não! No começo as coisas eram diferentes. Essa cultura não se implanta da noite para o dia. E talvez aqui o bitcoin tenha um apoio para resistir. A verdade é que a mudança cultural não acontece do dia para a noite, mas ao longo de muito tempo.
Por esse motivo, no início, o material que representava o dinheiro precisava ter um valor intrínseco (assim como o maço de cigarro possui um valor intrínseco).
Os grãos de cevada utilizados como dinheiro na Suméria (3 milênios antes de Cristo) é um bom exemplo. Os sumérios aceitavam o grão de cevada porque poderiam trocar por outras coisas, mas também por que podiam fazer cerveja a partir deles (me parece mais útil que as cédulas atuais).
3.3. A evolução do dinheiro por meio da palavra do Rei!
Bom, o dinheiro evoluiu e uma das formas mais tradicionais em sua história foi a moeda metálica. A moeda metálica não podia (e ainda não pode) ser comida! No máximo, ela podia ser usada como adorno quando derretida e transformada em uma joia, ou seja, ainda assim tinha um valor cultural intrínseco.
Então essas moedas vinham cunhadas com a sua quantidade de metal precioso, garantido pelo rei. Aliás, quem tentasse falsificar a cunhagem real, corria sérios riscos de exemplares punições. (Ok, devo registrar que o próprio rei diminuía a quantidade de metal para multiplicar o dinheiro, situação que deu origem à inflação e primeiras tentativas de controle de preço, mas isso também ficará para outro artigo).
A “palavra do rei”, ou qualquer outra forma de se chamar o mandatário de uma região, país ou império ia além da garantia da quantidade de metal precioso na moeda. Era também a garantia que dentro daquela região de abrangência da moeda, as pessoas poderiam obter bens e serviços através da utilização desses pedaços de metal. Ou seja, era lei!
Sob esse aspecto, parece que as coisas não mudaram tanto, não é mesmo? Afinal, com uma quantidade de dólares na mão você sabe que pode ir aos Estados Unidos e comprar diversos produtos, assim como o seu smartphone da Apple que você segura agora. Ou ainda com alguns euros você pode ir até a Europa e degustar a culinária italiana bebendo um vinho francês, não importando se você está na Espanha ou na Lituânia, afinal, você está dentro da “zona do euro”!
4. E como funciona o dinheiro hoje?
Bom, as coisas “evoluíram”, foi criado o papel-moeda com lastro em metal, surgiram os bancos que passaram a emitir títulos, o capitalismo ascendeu e tantas outras coisas mudaram com o intuito de facilitar as trocas de bens e serviços nas cidades e até mesmo entre os países.
Hoje, a maioria das moedas não possuem mais lastro em uma reserva de metal, ou qualquer outra coisa específica que possa ser trocada com a garantia oficial do emissor da moeda. Sim, existiu uma época em que o emissor da moeda trocava aquele pedaço de papel que ele emitia por ouro ou prata, por exemplo.
Então se o dinheiro hoje não pode ser trocado por nada, como ele continua funcionando? Bom, a partir do momento em que ele não pode mais ser trocado por “nada”, a principal características de uma moeda passou a ser a confiança (fidúcia).
Essa confiança foi desenvolvida da mesma forma que em um relacionamento: pouco a pouco! E isso somente se desenvolveu porque as moedas que triunfaram cumpriam os requisitos de serem armazenáveis, transportáveis, conversíveis e capazes de garantir a reserva de valor (poder de compra).
Dessa forma, uma vez que os governos e seus bancos não entregam mais uma quantidade de metal em troca de uma quantidade de dinheiro emitida por eles mesmos, a segurança da moeda vem da garantia da estabilidade econômica e social. Ou seja, uma das grandes missões dos governos e seus bancos centrais é darem segurança que o seu dinheiro possua valor.
Aliás, embora hoje o dinheiro não possa mais ser trocado por uma quantidade de metal junto ao emissor, ele ao mesmo tempo pode ser trocado por absolutamente tudo, inclusive por qualquer tipo de metal que possa ser comprado no mercado. Ou seja, passamos a confiar ainda mais no dinheiro, mesmo que ele não passe de uma simples representação de unidade monetária, sejam em papel ou virtual.
E esse valor será garantido se no local onde essa moeda circula existir uma economia forte, um governo que garanta equilíbrio fiscal, respeito aos contratos (segurança jurídica) e diversas outras características que colaboram para a solidez de uma economia.
4.1. O Poder da Moeda
Se uma moeda forte e estável depende de uma economia robusta, então pensando no processo inverso, o poder de emissão dessa moeda também pode ser algo que dê grande poder ao emissor.
E esse é o ponto principal pelo qual reforça a minha descrença no bitcoin. A moeda centralizada é uma fonte de grande PODER! E governos precisam de poder para se sustentarem. E digo isso de maneira republicana, embora seja claro que o poder também é um combustível sedutor para muitas pessoas e políticos que ocupam assentos privilegiados dentro e fora do governo.
Sabemos que corriqueiramente governos aumentam seus balanços e criam moeda para arcar com seus custos, que muitas vezes estão conectados com objetivos de perpetuação no poder. Ainda que isso gere efeitos colaterais como a inflação (da mesma forma quando os reis reduziam a quantidade de metal nas moedas), isso demonstra o poder de uma moeda.
Por exemplo, o aumento de tributos para fechar as contas dos governos costuma ser um ato bastante impopular. Bem, se você possui o controle da moeda em suas mãos esse ajuste pode ser feito de outra maneira. Como? Por meio de inflação! Emita mais moeda, pague suas contas e torne sua moeda um pouco menos escassa e a mágica está feita! As contas serão equilibradas e todos pagarão a fatura por meio da inflação, mas SEM o impopular aumento de impostos.
Ainda com o intuito de demonstrar o poder da moeda, veja o exemplo mais recente disso. O presidente russo Vladimir Putin determinou que o petróleo do seu país só poderia ser comprado usando moeda russa, e não mais outras moedas. Perceba que essa simples diretriz fez com que o russo rublo se valorizasse, porque esta moeda passou a comprar algo que nenhuma outra moeda seria capaz: petróleo daquele país! E apesar do papel moeda não ser útil para nada, o ser humano precisa (e muito) de energia extraída do petróleo para sobreviver.
5. O poder dos governos
Então, quando sugerimos que criptomoedas descentralizadas podem substituir moedas centralizadas emitidas por governos, estamos sugerindo retirar parte importante do poder desses governantes. E eu nem vou discutir se isso seria bom ou ruim, mas apenas imagino que os representantes que ocupam essas cadeiras, e todos aqueles que estão diretamente interessados neste poder centralizado não tendem a gostar muito da ideia!
Além disso, uma moeda descentralizada pode aumentar os problemas fazendários. Exato! A arrecadação do governo, a qual é citada desde a bíblia (representada no livro sagrado por Zaqueu), poderia sofrer impactos importantes se as transações comerciais passassem a ser realizadas com moedas descentralizadas.
Em outras palavras, embora hoje já seja um problema, a evasão fiscal tenderia a aumentar se houvesse uma moeda que simplesmente não fosse controlada por um governo, especialmente pela inexistência de rastreabilidade dentro de um sistema financeiro.
5.1. Negócios Ilegais
Para um negócio ser ilegal, precisamos de um poder central que diga que ele é ilegal. Ou seja, ainda estamos falando do poder do governo. O que é ilegal hoje, pode deixar de ser amanhã, e vice-versa. Por exemplo, a lei seca que vigorou nos EUA entre 1920 a 1933 proibia e venda de bebidas alcoólicas naquele período. Sem discutir os prós e contras disso, a verdade é que o governo pode decidir o que é legal e ilegal.
Bom, se temos uma moeda descentralizada, que pode ser facilmente “transportada” e sem rastreabilidade, parece que essa moeda possui características que também pode facilitar negócios ilegais.
Aliás, segundo alguns especialistas, esse foi um dos primeiros grandes usos do bitcoin: a consecução de ilícitos. Evidentemente na sequência passamos a ter uma moeda com um alto nível especulativo e daí pra frente a explosão do seu valor e muita sedução daqueles que “chegaram tarde para a festa”.
A verdade é que, embora os ilícitos existam por outros motivos, as criptomoedas descentralizadas facilitam as transações financeiras desses tipos de negócios.
E aqui faço uma reflexão: esse poderá ser um dos motivos a serem alegados pelos governos para proibirem esse tipo de moeda, mesmo que tenham como principal objetivo conservar o poder que possuem.
6. Por que não acredito em bitcoin?
Eu sei que o título desse artigo é “Não acredito em Bitcoin nem no Papai Noel!” e nesse tópico estou abordando somente a parte mais fácil, mas no final do texto falaremos sobre o Papai Noel!
Eu não acredito no bitcoin pela quantidade e o maior peso dos problemas carregados com ele do que as soluções oferecidas!
Seria genial uma moeda universal? Sim, facilitaria muito a vida de muitas pessoas e corporações em muitos aspectos. Mas os líderes das nações possuem sintonia entre si para implantar algo desse tipo nas próximas décadas? Absolutamente não, e os atos recentes da Rússia são atualmente um grande exemplo disso.
Se o mundo não está preparado para respeitar as fronteiras, muito menos está para acabar com elas! O Reino Unido, um país que está na vanguarda do desenvolvimento econômico e cultural decidiu sair da União Europeia! Eles não só não adotaram a moeda comum (Euro), como voltaram atrás de uma decisão de integração com outras nações semelhantes sob o ponto de visto de desenvolvimento.
E a minha descrença nas criptomoedas descentralizadas aumenta quando percebo que o controle social pode ser prejudicado pela queda de uma moeda centralizada ou ainda pelo mau funcionamento ou colapso de outra descentralizada.
E, quase por fim, eu realmente desisto de acreditar em bitcoin, quando olho para a história do mundo, vejo o homo sapiens sapiens (que apesar de saber que sabe nem sempre utiliza o dom da sua sapiência), como um ser potencialmente inteligente mas totalmente dependente de um líder (presidente, imperador, rei, messias, guru ou qualquer outra denominação) para terceirizar a sua responsabilidade pela decisão de escolha do caminho a trilhar.
Sim, a cultura humana e talvez até características genéticas impedem a substituição das moedas centralizadas pelo bitcoin ou qualquer outra criptomoeda descentralizada. E isso tudo está interligado com o potencial destrutivo do poder centralizado das poucas pessoas que os detém.
6.1 O poder é centralizado!
Veja bem, por mais que tenhamos experimentado diversas formas de sociedades sedentárias, sempre tivemos figuras de grandes líderes como um faraó, um imperador, um Deus encarnado, um déspota esclarecido, um primeiro-ministro, um presidente ou mesmo um ditador como líderes maiores destas sociedades.
Então, para a criptomoeda descentralizada ascender e ser de verdade a principal moeda de troca, primeiro os seres humanos vão precisar criar uma nova forma de convívio em sociedade sem a presença de um poder central. Mas antes disso, veja o que acontece na Comuna de Paris!
6.2. E quando as corporações forem o principal poder?
Eu não saberia nem dizer se elas já não são este principal poder, dada a grandeza e o alcance de algumas delas. Entretanto, a verdade é que essas grandes corporações (JP Morgan, Apple, Amazon, Alphabet, Toyota, etc) ainda estão um pouco distantes de “darem um chute” nos governos e assumirem o poder central.
Bom, se essas grandes corporações se tornarem o poder central, inclusive assumindo os serviços públicos e outras funções de governo, acredite: elas implantarão as suas moedas centralizadas! Afinal, se um dia elas concentrarem tanto poder ao ponto de substituírem os governos, elas desejarão possuir todos os meios para realizar o controle e a manutenção deste status.
6.3. Questão energética
Esse foi um dos motivos acessórios que não citei ao longo deste texto. E não citei porque entendo que esse problema talvez seja passageiro, embora traga consigo uma dificuldade para as moedas descentralizadas, explico a seguir.
Entendo que o problema seja passageiro até encontramos uma forma de gerar energia mais barata e com uso de menos recursos escassos, ou ainda que as criptomoedas se tornem energeticamente mais eficientes, como promete a recente atualização da Ethereum.
Ok, a operação da criptomoeda pode ser mais econômica, mas e a mineração? A partir do momento em que for necessário menos energia para minerar, automaticamente a moeda tende a perder valor, afinal, vai fazer mais lógica minerar do que comprar o criptoativo, seguindo a mesma lógica do exemplo do “punhado de terra” como moeda corrente que dei no início do texto.
De toda forma, o alto consumo energético das criptomoedas é mais uma barreira para o desenvolvimento e consolidação desse tipo de moeda, podendo inclusive se tornar mais um motivo para o seu banimento, ainda que o motivo principal possa ser outro.
6.4. Os governos não podem banir o bitcoin
Poder eles podem! Mas concordo que uma vez que os governos não controlam as criptomoedas descentralizadas, eles dificilmente conseguiriam banir por meio de leis se os usuários continuassem a utilizá-la. Seria algo como o governo proibir as pessoas de respirar! Seria praticamente impossível controlar.
Apesar disso, no caso do banimento de uma criptomoeda, essa sofreria consequências imediatas, por exemplo com a possível liquidação imediata de fundos de criptomoedas sujeitos ao controle de órgãos de governo (CVM no Brasil, por exemplo).
Ainda assim, se formos pensar em um limite mais distante, no caso de um ou mais governos decidirem travar uma batalha contra as criptomoedas descentralizadas, sempre devemos pensar que a última instância de todas as disputas são as guerras.
E as guerras são travadas por exércitos, que até o presente momento, seria facilmente vencida pelos poderes centrais. Seria como tirar o videogame da tomada!
7. E as criptomoedas descentralizadas vão sobreviver?
Bom, considerando que parecem insetos, ou seja, acaba uma surgem outras 10, provavelmente elas existirão por muito tempo. Mas, o principal segredo para a sua perenidade será o seu tamanho.
Enquanto as criptomoedas tiverem caráter meramente especulatório, tal como acontece hoje, a tendência é que elas convivam tranquilamente com outras moedas sem grandes ameaças. Em outras palavras, enquanto elas não incomodarem o poder das moedas emitidas pelos governos, não devem ser extintas.
Se assim permanecerem, esse fator fará com que tenham valor limitado, e passem a ser cada vez mais o que realmente já são: loteria! Um jogo aleatório em que forças compradoras e vendedoras ficam disputando (e manipulando) um mercado com a promessa de dinheiro fácil, que na maioria das vezes não se concretizará.
8. E os governos podem usar as criptomoedas como moeda oficial?
Sim, inclusive El Salvador adotou a bitcoin como moeda corrente oficial e… parece que não deu muito certo, apesar do governo de lá insistir que não perdeu quase dois terços de suas reservas em BTC, pois não vendeu essas reservas. Sim, ele usou a mesma resposta que investidores ingênuos (ou teimosos) dão ao explicarem que suas escolhas não foram as melhores.
Bom, eu não acredito que países de grande expressão adotem criptomoedas descentralizadas, mas sim que criem suas próprias criptomoedas de maneira centralizada. E praticamente nada vai mudar, apenas as transações poderão ficar mais ágeis, seguras e rastreáveis, aspectos totalmente desejados pelos poderes centrais. Aliás, o PIX no Brasil (que não é uma criptomoeda) já é um exemplo de como a digitalização da economia pode trazer grandes benefícios.
9. E o Papai Noel?
Bom, são tantos motivos para não acreditar em bitcoin, mas ainda assim vejo tanta gente colocando tanto dinheiro em um “ativo” que não gera absolutamente nenhum fruto que eu começo a ter verdadeiras dúvidas sobre o Papai Noel! E aí pergunto aos comprados em criptos…. será que o Papai Noel vai trazer algo nesse ou nos próximos natais pra vocês?